Coaripolis

sábado, janeiro 15, 2005

A Reconquista da Amazônia

No processo histórico alguém já advertiu, ironizando, que a História se repete como farsa, em vez de tragédia original. A recente expansão econômica da Amazônia brasileira, acelerada nos fins da década de sessenta e começo de setenta, sobretudo através dos megaprojetos de impacto do regime autoritário, sugere o uso da advertência de alguém do passado para seu entendimento. A Primeira Conquista, de que se cumprem 500 anos de sua consumação, foi um empreendimento hercúleo que a ferro e fogo, abriu as portas da modernização.
Como a Primeira Conquista, hoje vivemos a Reconquista da Amazônia que parte do mesmo pressuposto do descobrimento. Primeiro são projetos que vêm de fora. Não se quer saber da opinião dos moradores e, se podemos abrir aqui um parêntese é para dizer quem mais entendia e entende da sua casa é quem nela mora. Os indígenas, hoje também os caboclos habitantes da floresta, conhecedores do mundo amazônico, da terra, da água, do mato, dos animais, dos seus cantos e encantes, estão sendo deixados de lado na construção da Reconquista. Os projetos que são elaborados em escritórios de burocratas, que ganham rios de dinheiro e não se importam se tem alguém ou não na floresta, é que olhando do avião lá de cima ou pelo mapa as pessoas não aparecem.
Em segundo lugar pode-se dizer, são investimentos que vêm e que vão para fora. Poucas coisas irão ficar para quem de fato ficará com o bagaço da cana, ou melhor, com o seu habitat destruído. Os donos do capital sabem bem que quando essa reserva secar vão com seu dinheiro para outros locais ou até mesmo para empréstimos a grupos ou governos, onde ganharão sem se preocupar de fazerem alguma coisa.
Em terceiro lugar, por onde esse capital passa, deixa um rastro que nunca mais será igual. Seja no sentido ecológico como também no sentido social. Na Primeira Conquista foram milhões de índios eliminados e culturas desaparecidas. Na Reconquista que tira sua riqueza da floresta, destrói até não dar mais lucro e por outro lado coloca em contato com a população local seus trabalhadores que lidam com o trabalho mais duro. Longe de suas famílias e estruturas de vida, sabem que estão ali por tempo determinado, não se importam em apreciar valor que venha a lhe dizer alguma coisa.
Quando os espanhóis desceram o Solimões-Amazonas, vinham atrás de supostas riquezas e mundos encantados de mil tesouros. Não tinham certeza do que encontrariam e os únicos que pagaram o preço, e pagaram com a vida, foram os indígenas, num regime de escravidão, sofrimento, massacre e preconceito que dura até hoje. Está durando mais tempo que a escravidão do povo judeu no Egito.
Os navegantes, técnicos, engenheiros da Reconquista conhecem e vão cada vez mais conhecendo as riquezas a explorarem, dando prosseguimento a um processo onde os amazônidas vão perdendo seus bens, agora de forma mais acelerada e sua fonte de vida que é a floresta com tudo que ela contém. Já não se têm tantas caças, tartarugas, peixes-bois, pirarucus, além da diminuição dos peixes. Nesse no novo tempo iniciado, está se indo a floresta inteira, cadeia de vida dos que ali vivem.
A menina dos olhos da Reconquista no momento, o mais novo empreendimento dos megaprojetos, é a construção do gasoduto Coari-Manaus. Uma obra de 400 kilometros, atravessando oito municípios, dezenas de comunidades rurais, onde será investido um bilhão de reais e que depois de pronto, tem previsão de levar dois anos para ser construído e gerará um lucro de um milhão de reais por dia. A história repete-se como uma farsa, como bem nos foi lembrado, o que vale é o lucro e não as pessoas. Era uma vez o indígena, um dia irão dizer, era uma vez a Amazônia.
A Primeira Conquista está se refazendo na Reconquista!