Coaripolis

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Diário de Campo 4 - A bordo do Uaupés
Diário de uma jovem participante do Projeto Rondon em Coari
por Renata Mielli, de Coari/AM
Depois das visitas às comunidades ribeirinhas do município de Tefé, partimos para Coari, cidade que fica cerca de 7 horas Rio Solimões abaixo, numa lancha do Exército, a "Uaupés", que navega a aproximadamente 30 km/h.
Saímos bem cedo para chegar ainda em tempo de fazer algum trabalho com as três equipes que se encontravam na cidade. Coari é um dos municípios mais ricos do Amazonas, devido à presença da Petrobras. Assim, fomos em busca de um cenário que contrastasse com a realidade precária que encontráramos até então.
Na entrada do Lago de Coari já se avista o TSOL - Terminal do Solimões -, com suas esferas de armazenamento de GLP, o butano que é usado nos botijões de cozinha e os tanques de óleo. A Bacia do Urucu, de onde é extraído o Petróleo e o Gás que vai para o TSOL, produz um dos óleos mais leves da Petrobras, bom para gasolina e derivados mais finos do petróleo, mas o forte da bacia é o gás.
Chegando na cidade, fomos direto ao encontro das equipes que estavam reunidas com os comerciantes de peixe no mercado. O trabalho desenvolvido pelos estudantes da UCB - Universidade Católica de Minas, UEMG - Universidade Estadual de Minas Gerais e UFAM - Universidade Federal do Amazonas, estava mais voltado para o diagnóstico dos problemas urbanos.
Os rondonistas realizaram reuniões com os setores organizados da cidade, em busca de informações que lhes permitissem ter uma visão geral da realidade do município, que tem a 3ª maior arrecadação do Estado do Amazonas, devido aos 1,5 milhões de reais em royalties que a cidade recebe da Petrobras.
Outra diferença, de Coari para a maioria dos municípios que estão recebendo o Projeto Rondon, é o fato de não haver uma brigada do Exército na cidade
. Maior e mais estruturada que as outras, possui hospital municipal, teatro e algumas escolas municipais de médio porte, mas persistem problemas de saneamento básico e tratamento do lixo. Pelas ruas, ainda mais que em Tefé, vê-se os urubus convivendo normalmente com as pessoas, como se fossem pombos empoleirados na beirada dos telhados, nos galhos das árvores, ou andando livremente nas calçadas.
Uma visita dos rondonistas ao campus avançado da UEA na cidade produziu uma pequena assembléia estudantil relâmpago, onde se deu uma calorosa discussão em torno da necessidade da próxima edição do Projeto Rondon envolver, nas equipes, estudantes universitários locais, para aprimorar a integração e potencializar o trabalho de diagnóstico.
Mas, para mim, a imagem que marcou a nossa visita em Coari foi a de uma ruela sem saída, em que o lixo e o esgoto a céu aberto conviviam em harmonia com as crianças peladas brincando na rua, e os adultos desempregados sentados na porta das casas de madeira.
Próximo ao meio-fio da calçada, dois tijolos serviam de suporte para uma grelha, onde dois peixes assavam: era o jantar de toda uma família de 6 pessoas. Dona Maria, a mãe de um deles, segurava o neto no colo e nos contou sobre as dificuldades para conseguir emprego e o aumento da violência, do uso de drogas e da prostituição. Desanimada, com o olhar cansado, falou: "a gente tem que ir vivendo do jeito que dá."
Diferentemente dos ribeirinhos, ali na cidade, o peixe, as frutas e a farinha não garantem a sobrevivência de D. Maria e sua família.