Coaripolis

sábado, abril 08, 2006

Amazonidades - Belle époque p’ra quem?
Ozorio Fonseca
O período conhecido como “belle époque” na Amazônia, corresponde ao tempo em que a borracha enchia de dinheiro os bolsos da classe dominante autorizada, pelos ingleses, a participar do modelo extrativista desde que se contentasse com uma pequena fatia do enorme lucro do comércio internacional do látex.
Essa “elite” era composta por meia dúzia de famílias que tinha conseguido (sabe Deus como), o título de propriedade de terras, e por comerciantes autorizados a montar empresas de pequeno porte, sob a condição de cooptarem com o modelo.
Na realidade, tanto os donos das terras batizados de seringalistas, como os pequenos comerciantes alcunhados de empresários, eram pessoas simples de poucos saberes, pois antes do fausto da borracha a Amazônia não era, exatamente, um pólo irradiador de conhecimentos e cultura. A distância e a dificuldade de comunicação com os centros mais avançados do Brasil, naqueles tempos sem energia e de navegação a remo ou a vela, obstaculizavam qualquer possibilidade civilizatória.
O fausto
O tempo das drogas e especiarias, que antecedeu o ciclo da borracha, não alavancou a economia regional e nem mesmo a implantação de fazendas de gado e de café, foram suficientes para aumentar as verbas públicas ou para promover um aumento da renda da população. Com o advento do modelo extrativista predatório do látex, a riqueza fácil tomou conta da cabeça inculta dos poucos beneficiários iletrados que passaram a protagonizar um festival de burlescas e ridículas extravagâncias por conta da dinheirama fácil que rolava pelos bolsos privilegiados.
Ouvi e li muitas histórias desse período definido como “belle époque” e tenho certeza que poucos sabiam, exatamente, o significado de uma bela época, pois só conheciam os exageros daquela ópera bufa que eles mesmos produziam e dirigiam. Entre os sintomas de insensatez figurava o repúdio por tudo que fosse nativo com a “elite” importando do champanhe às prostitutas européias, já que índias, caboclas e nordestinas de vida fácil não tinham dignidade suficiente para satisfazer a sodomia dos novos ricos.
Os deserdados da borracha
Na periferia das capitais, nas sedes municipais e nos seringais vivia uma população sem condições mínimas de sobrevivência digna, totalmente deserdada da economia do látex. Nordestinos sem destinos eram arrebanhados no sertão sem chuva e trazidos para cá sob a promessa de riqueza e de fartura da água essencial para a vida. E, como lembrou Euclides da Cunha, esse migrante era o homem que trabalhava para escravizar-se, pois antes mesmo de sair de sua casa sertaneja, já acumulava enorme dívida que seria paga com o trabalho (duro e cruel) nos altos rios da Amazônia.
O copismo caricato
A inculta e bisonha burguesia local, como não tinha o que fazer com tanto dinheiro, e talvez incentivada pelos colonizadores ingleses, passou a brincar de Europa Tropical, construindo aqui prédios e monumentos absolutamente inúteis para a quase totalidade do povo. Contrariando Genesino Braga creio que o fastígio não produziu sensibilidade no Amazonas de ontem, marcado por um copismo tão exagerado que até o lançamento da pedra fundamental do Teatro Amazonas aconteceu no dia 14 de julho de 1884, dia em que, na França, se comemorava os 95 anos da queda da Bastilha.
Outra obra de valor discutível para a época foi o Palácio da Justiça, que custou 900 contos de réis e que teve sua real finalidade indicada pela estátua de uma mulher (justiça) colocada no alto da entrada principal (até hoje está lá), cujos olhos abertos e balança pendendo para um lado revelavam que ali a justiça enxergava e tinha suas preferências.
Os exageros não paravam nos prédios e monumentos, estendendo-se pelas principais ruas e calçadas de Manaus que foram pavimentadas com pedras importadas, ficando a regional pedra jacaré, destinada apenas para vias menos nobres. A arborização urbana foi feita com espécies exóticas e até mesmo os pomares dos quintais privilegiados eram formados por fruteiras importadas porque os organismos nativos não serviam sequer para dar sombra e alimento para os caricatos nobres europeus da floresta.
Para a gente humilde das capitais e sedes municipais, mas principalmente para os seringueiros que eram a origem da riqueza, a “belle époque” foi um período de profundo sofrimento. Doenças, fome, miséria, foram as grandes marcas sociais daquela feia época que apesar de ter legado lindos ícones para a posteridade nunca se preocupou em construir o futuro ou oferecer vida digna para a quase totalidade da população.
E, diante da história contada por cabeças iluminadas como Antonio Loureiro, Etelvina Garcia, Marcio Souza, Mario Ypiranga Monteiro, entre outros, não posso deixar de refletir que o modelo Zona Franca também é concentrador de riqueza e distribuidor de pobreza. O presente repete o passado marcado pela avareza das elites atuais e de obras públicas direcionadas para beneficiar a minoria. O péssimo IDH, o inaceitável IDI, os lugares pouco lisonjeiros nos exames do Enem, as posições de liderança no “ranking” da violência e abusos sexuais, são indicadores gritantes de que é preciso reformar o modelo atual e sanear a classe dominante que o defende.