Coaripolis

sexta-feira, julho 23, 2004

Queimadas

Você já entrou em uma área que era floresta e foi recém-queimada? A queimada aguça seus sentidos. A boca está seca. Há um gosto pálido sem saliva. O odor é cinza, forte, cheira à morte. O desconforto o faz procurar uma saída, as narinas abertas são invadidas pelo sofrimento e desconfiança, ao expirar você desabafa a incompreensão e a inquietude. Você é todo alerta, o calor intenso, brota da terra calcinada. Os pêlos do braço eriçam. A sola do sapato gruda nas brasas entocadas por baixo das cinzas. O palmito virou pudim. O cupinzeiro, um metal bruxo. É o fogo de chão que se repentina e rebrota, consumindo o oco do pau, o pedaço que sobra. Está quente, abafado, desconfortável. Não há onde colocar a mão, os pés precisam escolher por onde caminhar. Carvão parece que você penetra na grande churrasqueira. Os troncos em chamas expõem sua nudez. As cascas caem, revelando a pele das árvores. Um suspiro de fumaça abandonado. A castanheira em pé admira a sua passagem, os braços abertos, crucificados. A outra castanheira deitada, 600 anos de vida. Estalos, rangidos, zunidos. O chichichi das madeiras verdes. Cobras e sapos secos, não escapam. Gaviões urubus caçam os últimos animais, semimortos, cegos. O fogo prossegue, procura a beira da mata. Palpita, consome o vento, aspira e foge. É um funeral lento, distante. No riacho, as labaredas diante da vida. Há um gosto de escuridão, de sombra, do amargo. Resignação, dessacralização, pavor, perda, abandono, lamento, desperdício, descuido. E você sai batendo as cinzas da calça para a estrada empoeirada que o levará a próxima queimada.