Coaripolis

segunda-feira, outubro 24, 2005

Amazonidades - Um pouco de história de Manaus
Ozório Fonseca
Nossa Manaus, neste 24 de outubro, festeja mais um ano de vida. Apesar das controvérsias sobre a data de nascimento, o importante é que o aniversário deveria incluir homenagens aos nossos fundadores e mantenedores, e não apenas festividades populares que não cultivam nossa história. As divergências sobre datas se dividem, p. ex., entre os anos de 1657 e 1669 com o registro mais antigo marcando a chegada dos primeiros missionários religiosos - Francisco Velozo e Manoel Pires – que fundaram a Missão dos Tarumás, cuja importância foi reconhecida pela visita, no ano seguinte, do provençal jesuíta, Francisco Gonçalves.
A data mais recente (1669) registra a chegada do capitão Francisco da Mota Falcão que, em um morrote situado entre dois igarapés, seis léguas acima do encontro dos rios Negro e Solimões, construiu uma fortificação quadrangular, denominada Forte de São José da Barra do Rio Negro. Anos mais tarde, no entorno do forte, com a “pacificação” dos índios barés, tarumás, passés e baniuas, formou-se um aldeamento denominado Lugar da Barra, origem da cidade de Manaus.
Os anos passam. os homens mudam
Evidentemente, são enormes as diferenças entre o Lugar da Barra e a atual cidade de Manaus, cujo nome definitivo foi dado em 5 de setembro de 1856, mais de trinta anos antes de ser definida como capital do Estado do Amazonas com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
Apesar do trabalho de nossos excelentes pesquisadores, jamais conheceremos, em detalhes, toda a odisséia da nossa história branca, que começou um dia com a chegada de europeus e continua até hoje onde painéis sem muita cor, mostram uma cidade dividida entre a pobreza cruel de muitos e a riqueza ostensiva de poucos. Talvez esse cenário de injustiça tenha recebido suas primeiras pinceladas no “amansamento” dos índios, muitos dos quais foram escravizados, subjugados, mortos, ou discriminados pela cultura européia.
Nossos heróis, como Ajuricaba, que ofereceu sua própria vida lutando contra o colonialismo e em defesa de sua selva e de sua gente foram substituídos por vendilhões do nosso patrimônio cultural e natural. Os amazonenses de raiz e de coração vão comemorar o aniversário de sua cidade distante dos shows que custarão milhares (milhões) de dinheiros, mas muito próximos do estado de felicidade e de orgulho decorrente de terem ajudado a construir uma cidade que, lamentavelmente, se deteriora a cada dia.
Um pouco de sorriso
Os mais jovens não sabem que Manaus já foi denominada Cidade Sorriso, um título sinalizador da alegria sempre presente em seus habitantes, apesar das dificuldades decorrentes das distâncias e circunstâncias. Nas ruas, as pessoas se saudavam mesmo sem se conhecerem, uma situação muito diferente dos dias atuais quando nem moradores do mesmo prédio se cumprimentam quando compartilham o espaço do elevador. Mudou o humor (porque será?) e Manaus deixou de sorrir.
Registros da felicidade
O sorriso era a exteriorização da felicidade que dominava a Manaus das serenatas, cujo ícone maior foi, para mim, Dom Pablo, misto de dentista e violeiro de sorriso largo que cantava canções de amor para homenagear as namoradas dos amigos.Com saudade lembro os cinemas Guarany e Polytheama com sessões às 13 horas que exibiam seriados inesquecíveis como “Flash Gordon”, “Brick Brad Ford”, “Dick Tracy, o detetive” e o luxuoso cine Avenida de Seu Aurélio e Dona Iaiá, sempre maquiada e bem vestida recebendo os freqüentadores.
Quero lembrar as festas do Clube dos Barés e Cheick Club, ligados à sociedade sírio-libanesa, os bailes do Olímpico, as Manhãs de Sol do Rio Negro que realizava o inigualável baile das debutantes e de segunda-feira gorda, além das luxuosas e chiques atividades do Ideal Clube entre as quais a boite Moranguinho e o Nick Bar.
As festas e bailes contavam com o talento de instrumentistas como Marlene Palhano, Geraldina Monteiro, Mozart Tavares, e a voz de cantores excelentes como Luiz Carlos Mestrinho (Tical) e Luiz Santos (que ganhou um concurso da mais bela voz do Brasil). Por todos os clubes era marcante a presença de exímios dançarinos, entre os quais destaco o Gilberto Monteiro, um dos melhores dessa cidade que, até hoje, brinda, com seu talento, os freqüentadores dos remanescentes salões bolerosos de Manaus.
Neste aniversário trago de volta a Insinuante, a melhor lanchonete de Manaus de todos os tempos, com sucos e comidas típicas e sem conservantes, o Recanto da Beleza (ainda existe), a loja de disco do Joãozinho, onde a juventude, sem dinheiro, ia ouvir os lançamentos que não podia comprar.
Rememoro o Café da Paz, onde “estrelas” do taco desfilavam sua arte impecável. Destaco aqui, o Nezinho (bilhar) e os ases da sinuca Fernando Mendes (Pitiú), Vacadinha e Maurílio Vale, hoje casado com Nilce Cidade, moradora da Rui Barbosa, a mesma rua onde viviam figuras marcantes da sociedade como Ana Rita Anthony, os irmãos Hélio, Elci e Eliete Trigueiro e a louríssima Isabel Barbosa. Que saudade da boite Odeon, onde tocava o Helvécio Magalhães, o solerte, a primeira com ar condicionado e que foi o local onde o historiador e médico Antonio Loureiro revelou-me ter conhecido o frio. Que saudade, sem saudosismo, da Cidade Sorriso.